Cena do Crime: Mistério e Morte no Hotel Cecil é uma série documental da Netflix que vai contar a famosa história de Elisa Lam. A pobre jovem se hospedou no local e, dias depois, morreu misteriosamente, em um cenário que parece ser totalmente sem explicação. Veja este vídeo, com legendas, para conhecer o caso.
Acontece que este não é o único caso. O Cecil tem uma enorme fama de “ser assombrado”. Por mais que eu tenha várias ressalvas com questões sobrenaturais, há muitos relatos de coisas realmente ruins e reais que aconteceram no local, como serial killers que se hospedavam por lá e o próprio caso da morte da senhorita Lam.
No verbete da Wikipédia do Cecil há até mesmo uma lista de mortes e casos de violência que ocorreram dentro do hotel ou em suas cercanias. Por mais que o lado sobrenatural da coisa seja questionável, é preciso admitir que o lugar não tem a melhor das famas, por tanta coisa ruim somada que aconteceu por lá.
Assim, achei que este seria um bom momento para tentar contar sobre a minha própria experiência no Cecil. Sim, eu já me hospedei lá, em 2016, quando passei um belo de um perrengue.
É até bom que eu escreva e deixe registrado, pois as coisas somem da mente com o tempo e os detalhes se perdem, então aproveite enquanto divido, com o que ainda lembro sobre o ocorrido…
Preparativos da viagem
O ano era 2016 e eu ia, mais uma vez, cobrir a famosa “feira de games” E3 em Los Angeles. A feira era anual (em um tempo sem pandemia). Aquela seria minha terceira vez na cobertura do evento, pela segunda vez acompanhado de uma amiga na época, com quem não tenho mais contato.
Como eu trabalhava em regime freelancer, não tinha qualquer vínculo com o site que ia representar com minhas reportagens. Por isso eu comprava passagens e pagava hospedagem do meu bolso, para depois cobrir as despesas com o dinheiro recebido pela produção — e era quase sempre uma grana boa.
Assim, como de costume, reservei hotel e passagens poucos meses antes da viagem. Isso me deixou com poucas opções, pois as vagas de hospedagem eram escassas e eu tinha um teto de gastos para poder conseguir depois cobrir com segurança. Na minha busca por algum lugar para ficar, me deparei com um que tinha bom preço e ficava muito próximo do Los Angeles Convention Center, onde acontecia a E3.
Este lugar era chamado Stay on Main. Era um hotel gigantesco, as fotos pareciam boas. Tinha um lobby bem simpático e parecia tudo muito bom.
Depois de reservar hospedagem, comentei com a minha amiga onde íamos ficar. Ela, que já conhecia algumas histórias envolvendo questões sobrenaturais e assombrações, me chamou a atenção: Stay on Main era o Cecil Hotel.
Nessa época eu já tinha ouvido falar da história de Elisa Lam, mas jamais liguei o nome à pessoa ou ao local. Ela me contou brevemente sobre a fama do lugar, mas não dei a devida importância por, justamente, não acreditar tanto em assombrações e coisas do tipo. Segui em frente e jamais pensei que algo fosse acontecer.
Eu estava totalmente enganado. Mal sabia o que me esperava pela frente.
Chegando lá
Chegamos no hotel de madrugada. Nosso voo deu uma leve atrasada e, em vez de chegarmos de noitinha, desembarcamos perto da madrugada em Los Angeles. Do aeroporto para o hotel levamos mais algum tempo e só chegamos por lá por volta de 1 da manhã.
Na recepção, tentamos fazer nosso check-in, exaustos, mas não haviam quartos livres. Eles seriam liberados apenas pela manhã, perto do meio dia, após check-out dos hóspedes anteriores e limpeza do serviço de quarto.
Ficamos acordados no saguão ao longo da madrugada. Tentamos assistir Netflix em uma sala de cinema, sentamos, conversamos, vimos a rua. Nada ajudava a hora passar. E o saguão era enorme e bem aconchegante.
No fim das contas, passamos a noite em claro, com breves cochilos aqui e ali. De manhã o hotel conseguiu abrir uma exceção e nos colocou em um quarto o mais breve possível — não lembro bem o horário, mas creio que tenha sido por volta das 10h.
Nossos compromissos profissionais começavam por volta de meio-dia ou 13h, iniciando com a coletiva de imprensa da EA (a empresa de FIFA, The Sims, etc), em um local bem próximo do hotel, Centro (Downtown) de Los Angeles. Fizemos o que deu pra fazer: subimos e jogamos as bagagens, arrumamos o material de cobertura e fomos pra rua. Pela pressa, não lembro se tomamos banho, mas acho que sim.
E aí começa o caos.
As dores e o hospital
Eu estava na apresentação da EA daquele ano. Quando estavam começando a falar dos próximos jogos de Star Wars que seriam lançados pela empresa eu comecei a sentir algumas pequenas dores no meu quadril. Começou como um leve incômodo, mas até o fim da apresentação a coisa piorou bastante.
Estava sozinho no evento. Minha amiga estava em outra missão, longe dali, mas as dores aumentaram. Estava na rua de Los Angeles, no meio de um trabalho, com coisas para escrever e produzir, mas sem a menor condição para isso. As últimas forças que tive usei para chamar um Uber e voltar para o hotel. Eu precisava me deitar.
Cheguei no hotel e de alguma forma, já com muita dor na área do quadril, consegui subir para o meu quarto e deitar na cama. Nessa altura as dores já estavam insuportáveis. Eu gritava de dor, chorava. Também de forma inexplicável tive força para entrar em contato com minha amiga e chamá-la para o hotel. Eu precisava de ajuda.
A amiga demorou cerca de meia hora para chegar, veio bem rápido, levando em conta a dificuldade de pedir corrida naquela cidade. Ela acompanhou minhas dores aumentando e pensávamos no que fazer enquanto isso.
Ao mesmo tempo, crescia nossa preocupação interna de dar merda, simplesmente por conta dos altos preços de tratamentos médicos nos EUA, especialmente cobrando em dólar. E se eu precisar ir para o hospital? Vou morrer numa grana? Ficar internado? Perder toda a viagem de trabalho e sair no prejuízo, sem poder produzir e receber para cobrir as despesas de viagem? Todas essas preocupações começaram a me consumir ao mesmo tempo.
Mas não deu outra, o pior aconteceu: eu precisava ir a um hospital.
Descemos rápido para a recepção e pedimos ajuda. Fiquei sentado no lobby enquanto minha amiga falava com o hotel para chamar o 911, serviço de emergência nos EUA. A ambulância chegou rápido, me botaram numa cadeira de rodas e, logo em seguida, direto na ambulância e a caminho do hospital.
Chegando lá a principal suspeita era a mesma que já havíamos levantado no hotel: apendicite. Se fosse o caso, seria o fim. Apendicite é gravíssimo e eu precisaria operar. Mas “felizmente” outro diagnóstico surgiu: crise renal. Por algum motivo, do nada, uma pedra no rim resolveu me atacar e me causou uma das maiores dores que já senti na vida.
Fiquei no soro durante algumas horas, acho que seis. Cheguei no hospital no fim da tarde. Minha amiga foi junto e me acompanhou a todo o momento, tentou entrar em contato com amigos e familiares para pedir instruções sobre as despesas com médico.
As dores foram diminuindo conforme o tratamento avançava. Fiz exames de sangue e urina e, no fim das contas, foi confirmada a questão renal. Por volta de 21h eu já estava me sentindo recuperado, sem dores e pronto para sair do hospital.
Enquanto me sentia melhor, perguntei preocupado aos médicos e enfermeiros sobre os custos com o tratamento. Para meu alívio, me explicaram que eu não precisaria pagar nada. Por ser um estrangeiro legalizado no país, com visto de turismo/trabalho, eu tinha cobertura de 30 dias para qualquer tratamento, graças ao Patient Protection and Affordable Care Act, ou “Obamacare”, como era conhecido.
O alívio foi imenso. Não apenas pelo fim das dores, mas também pela isenção de qualquer pagamento. Saí do hospital e voltei para o hotel com minha amiga, munido de receitas de remédios — que tive que comprar no dia seguinte, para me manter saudável.
Vou voltar a este assunto mais adiante.
As outras noites
Naquela viagem, fiquei nos EUA por mais alguns dias. Normalmente viagens para a E3 duravam uma semana, para trabalhar com calma e também aproveitar um pouquinho do lugar, já que ninguém é de ferro.
Além da minha internação expressa, outras coisas estranhas aconteceram na minha estadia no Cecil Hotel.
Os barulhos de noite eram sempre comuns. As paredes eram finas, pois o hotel não tinha as melhores estruturas nos quartos mais baratos — onde estávamos — e sempre dava para ouvir os vizinhos, especialmente se estivessem transando.
Pela grana curta, alugamos um quarto que não tinha banheiro interno. Os banheiros eram compartilhados com todo o andar e ficavam nos corredores. Um nojo, eu sei, mas era o que tinha. Acomodações com mais conforto estavam caríssimas e não conseguimos pagar naquela época.
Pois bem, um belo dia, a tal minha amiga levantou de madrugada para ir ao banheiro, sentou-se na privada e, pouco tempo depois, ouviu um barulho de pigarros do lado de fora. Pensou: “Puta merda acabei de sentar e vou ter que sair”. Se levantou rápido, se vestiu, abriu a porta e… Ninguém.
Ela me contou o caso quando voltou ao quarto. Da forma como o corredor era organizado, não havia como alguém sumir tão rápido conforme ela levantava e abria a porta. Alguma coisa, de fato, aconteceu ali.
Tirando este segundo episódio, o restante da hospedagem foi tranquilo, até certo ponto. O café da manhã não era dos melhores — serviam apenas waffles, com algumas opções de coberturas — e um “chafé” terrível, como os estadunidenses gostam.
Só perdi o primeiro dia de trabalho, graças a todo o problema envolvendo o hospital, depois consegui seguir como planejado e trabalhar todos os dias, até altas horas, para poder produzir o que era previsto e fazer um trabalho de qualidade.
Como era supersticiosa, minha amiga não achou boa ideia bater fotos dentro do hotel ou registrar qualquer coisa sinistra que vivenciamos por lá visualmente. Na opinião dela, podíamos trazer “algo ruim” conosco para o Brasil na viagem de volta, ou simplesmente passar por mais maus bocados durante a viagem.
Por este motivo não tenho muitas fotos do lugar, a não ser uma que registramos no dia de partida, com a antiga fachada do hotel, comemorando que sobrevivemos ao Cecil.
Eu não falo mais com essa amiga, então é melhor deixar o rosto dela censurado. Mas a foto tá aí.
Voltando ao Brasil e o susto final
Depois da viagem, e do enorme susto de saúde que levei, resolvi procurar imediatamente um nefrologista e marcar exames, fazer todos os checkups possíveis, para saber se meu corpo estava funcionando bem e como eu poderia me tratar.
Agora vamos à parte que me deu um medo extra nisso tudo.
Marquei, fui atendido, fiz os exames. Surpresa: eu não tinha nada. Meu exame não acusou nada. Não mostrava a causa da crise renal anterior, não mostrava a pedra no rim. Não mostrou nenhum problema “pós”. Os exames diziam que meu rim estava funcionando perfeitamente há muitos anos, sem qualquer sinal mínimo de problema.
O-QUE-DIABOS-ACONTECEU?
Pois é, o médico brasileiro não soube explicar. Ainda assim, reconheceu que meus sintomas nos EUA eram compatíveis com crises renais e que o tratamento também foi. O problema existiu, estava documentado, mas era como se não tivesse existido para o meu corpo. Ele também achou tudo bem estranho, mas apenas me receitou uma dieta para me manter saudável, deu recomendações de boas práticas de hidratação e seguiu a vida.
Nunca tive crise renal antes na vida, nunca mais voltei a ter, mesmo anos após o acontecido.
Então é assombrado mesmo?
Como eu disse, não sou a pessoa mais supersticiosa do mundo. Na verdade, eu acho até que não deveria escrever um texto desses. Como jornalista, preciso sempre me ater a fatos, a comprovações. Mas vamos lá, tratar isso aqui como uma crônica, um entretenimento. Não leve tão a sério, a não ser que você queira muito acreditar em tudo o que aconteceu.
Porém, o que eu garanto é que, tudo que contei, aconteceu.
Este texto é fruto de uma promessa que fiz no Twitter, neste post aqui, após me deparar com mais uma publicação envolvendo o caso da Elisa Lam no Hotel Cecil. Essa história também foi contada de forma breve pelo Felipe Neto, em um vídeo que escrevi para ele em 2018, já como parte da equipe. O vídeo é esse aqui.
Já o Cecil, hoje, eu acho que está fechado. A última notícia que tive dele foi que, em 2017, ele havia sido fechado para uma extensa reforma. Tanto que no ano seguinte eu cheguei a cogitar me hospedar lá de novo (eu gosto de viver perigosamente), mas me deparei com a indisponibilidade. Não tenho certeza se voltou a funcionar, mas alguns sites listam vagas disponíveis neste momento.
Os donos e funcionários do Cecil conhecem bem essas histórias de terror e crimes que rondam o hotel. Tanto que ele mudou de nome em 2011, dois anos antes do caso de Elisa Lam, sendo chamado de Stay on Main, para tentar afastar um pouco a fama de assombrado, que já existia naquela época.
Ah, para quem não sabe também, foi este hotel que inspirou a quinta temporada de American Horror Story, chamada de Hotel, lançada entre 2015 e 2016. A inspiração é confirmada pelos produtores, conforme descrito na página da Wikipédia da temporada. Se quiser assistir, tem no Prime Video.
Mas, apesar de tudo, essa viagem para Los Angeles em 2016 foi uma das melhores. O hotel ficava em um local bom da cidade. Logo na frente tinha o LA Café, um dos melhores locais para tomar café da manhã que já fui na vida. E depois do evento eu e minha ainda fomos passear em Hollywood, o que foi bem bacana.
Curiosamente, apesar das dores, essa não foi minha pior E3. Ela aconteceu no ano seguinte, quando tive uma série de trabalhos combinados cortados pela redação durante a viagem. Pois é, após ter pago tudo do bolso, como sempre, e tendo um enorme prejuízo por não conseguir recuperar nem metade do valor. Foi bem tenso. O verdadeiro terror é ficar sem dinheiro.
Este texto fica por aqui. Talvez eu veja o documentário da Netflix sobre Elisa Lam, talvez não. Só de escrever essas lembranças eu sinto um leve frio na espinha.